HIDROCONFLITOS

João Pessoa, PR

Os conflitos pela água tendem a ampliar-se no mundo. 
Os principais pontos de disputa estão no Oriente Médio e na África.
A água é um imprescindível recurso natural, considerado como estratégico em razão da sua importância para a vida das pessoas e das sociedades e também por não se distribuir de forma igualitária no globo, havendo regiões que possuem menos e outras mais. Por esse motivo, os recursos hídricos sempre foram motivos, ao longo da história, de debates e disputas. No entanto, o que foi algo em menor grau no passado pode tornar-se a grande tônica do século XXI, que pode presenciar um número sem precedentes de conflitos pela água entre países.
Com o crescimento populacional e, principalmente, com a disseminação da agricultura moderna, a água vem sendo consumida de forma cada vez mais ampla e intensificada. Por outro lado, a poluição e o uso não sustentável da natureza provocam a diminuição de sua disponibilidade no mundo. Em muitos locais, a instabilidade política e tensões entre governos por causa da água já são realidade.
O Oriente Médio é um dos locais onde mais acontecem e podem acontecer disputas pela água. Aliás, ela já foi motivação para algumas ações em uma área de grande tensão política: em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel invadiu as Colinas de Golã, na Síria, tanto pela sua posição estratégica quanto pelo fato de essa localidade abrigar as nascentes do Rio Jordão, necessárias tanto para os israelenses quanto para a Jordânia.
Atualmente, no território da Palestina, a população local é privada de ter acesso às fontes locais pelo próprio governo de Israel, sendo um dos fatores que elevam a instabilidade política em uma área com grandes desertos e pouco potencial hídrico.
Outra zona de instabilidade geopolítica por causa da água é a Turquia e seus vizinhos Iraque e Síria. A questão ronda em torno dos rios Tigre e Eufrates, os quais abastecem sírios e iraquianos, mas possuem suas nascentes localizadas em território turco. Em 2009, uma seca na região diminuiu o fluxo dos rios e tornou as relações ainda mais tensas, uma vez que o Iraque passou a acusar os outros dois países de usarem acima do permitido as águas dos rios em questão, o que desencadeou falta de água no país. Os turcos, no entanto, afirmam que emitem mais água pelos rios do que o combinando em acordos internacionais. Enquanto isso, a tensão eleva-se na região e deixa em aberto a pergunta: será esse um foco de conflito armado no futuro?
Essa questão em torno dos rios Tigre e Eufrates não é uma grande novidade. A posição oficial da Turquia, por exemplo, é a de que “a água [dos rios] é tão turca como o petróleo do Iraque é iraquiano”. Em 1998, quase houve um conflito entre Turquia e Síria, pois os turcos iniciaram a construção de barragens e represas no leito do Tigre e também do Eufrates, o que diminuiria suas vazões nas áreas de suas jusantes.
Parque do Ibirapuera, São Paulo/SP
A lógica em outras regiões do mundo parece ser a mesma: a disputa não é só pela água em si, mas pelo controle de suas nascentes ou por uma maior cooperação entre os países em cursos d'água que percorrem vários territórios políticos. Na África, o rio Nilo passa pela mesma disputa por parte de Etiópia, Egito e Sudão; ao mesmo tempo em que Botswana, Namíbia e Angola também disputam, de forma semelhante, a bacia de Okavango.
Além da disputa pelo controle de nascentes de grandes rios interterritoriais, a previsão para o decorrer do século XXI é a emergência de conflitos que também se associem a ações imperialistas, em que países passem a invadir ou controlar politicamente outros territórios em busca da obtenção de água ou a sua importação a um menor custo. Por esse motivo, é preciso pensar em saídas para evitar uma escassez ainda maior desse recurso, com medidas que visem à sua sustentabilidade.


aquário da Foca, Zoológico de São Paulo/SP
Escassez de Água no Oriente Médio
A importância geopolítica da água no Oriente Médio vem alcançando elevadas dimensões ao longo das últimas décadas
Em contraposição ao fato de a região do Oriente Médio possuir as maiores reservas de petróleo em todo o mundo (cerca de 60%), essa região é a que possui a menor quantidade de água potável disponível para consumo doméstico e para atividades industriais e agrárias. Em razão disso, esse imprescindível recurso natural foi, é e será um dos principais elementos de acirramentos das disputas geopolíticas na região.
Na verdade, os analistas políticos são quase que unânimes em afirmar que a água (no caso, a ausência dela) será a principal causa dos conflitos do século XXI, a começar pelo Oriente Médio. Essa região conta com 5% da população mundial, mas apenas 1% das reservas de água no planeta. A cota atual de consumo de água pelos habitantes é de, aproximadamente, 1500m³, com estimativas de que, em 2025, essa taxa caia para 700m³, segundo dados do Banco Mundial.
Mas se engana quem pensa que a água é um fator geopolítico característico apenas do século XXI. Na verdade, várias disputas foram travadas na região do Oriente Médio, tendo como base o acesso a recursos hídricos, a citar o tão conhecido embate entre judeus e árabes.
Apesar de outros fatores geopolíticos também estarem envolvidos, como a posse por território e o conflito entre diferentes troncos étnico-religiosos, a água é um dos principais elementos em disputa. Nesse contexto, estiveram em disputa o acesso e o controle do curso do Rio Jordão, dos lençóis freáticos da Cisjordânia e do Mar da Galileia.
Outro foco de tensão envolve a Turquia, a Síria e o Iraque quanto ao uso dos rios Tigre e Eufrates, que nascem na cidade de Anatólia – território turco – e deságuam no Golfo Pérsico. Esses dois cursos d’água são extremamente importantes para o abastecimento desses países. No entanto, como a Turquia dispõe do uso e do controle da montante dos rios (isto é, dos locais onde eles surgem), isso pode afetar as outras duas nações.
Na década de 1990, quando a Turquia represou parte do leito dos dois rios para construir a Usina de Ataturk, enfrentou muitos protestos e até ameaças de invasão por parte da Síria e do Iraque. Ainda hoje, essa questão é muito polêmica e pode render sérios problemas para o futuro.
Uma estratégia recentemente desenvolvida vem sendo adotada na região, com destaque para Israel, que desenvolveu a maior usina de dessalinização do mundo. Ela consiste, basicamente, em retirar a água do mar e transformá-la em água potável, própria para consumo. Apesar de o país ser dominante nesse tipo de tecnologia (além de ser o líder mundial em técnicas de aproveitamento do uso da água), esse processo é considerado muito caro, além de ser considerado altamente poluente. Assim, dificilmente os demais países da região irão adotar esse recurso em um futuro próximo, em função de seus elevados graus de subdesenvolvimento e dependência econômica.
Diante desses fatos, evidencia-se o caráter geopolítico da água que, mais do que um simples recurso natural, é um dos mais cobiçados elementos territoriais em todo o mundo.

Natal/RN

Segundo dados do Banco Mundial, até 2050, mais de um bilhão de pessoas viverão em cidades sem água suficiente. À medida que a população aumenta, também cresce a necessidade de abastecimento. O principal problema é que a quantidade de água no mundo não aumenta.
Nesse cenário, a América Latina desempenha um papel-chave, porque possui a maior quantidade de água doce do mundo. Segundo a Global Water Partnership (GWP), quase um terço dos recursos hídricos renováveis estão na América do Sul.
Na lista de países que contam com a maior quantidade de água, três da América Latina estão entre os primeiros: Brasil (primeiro), Colômbia (terceiro) e Peru (oitavo).
Mas essa abundância de água não é suficiente para todos. Em cidades como Lima, São Paulo e Cidade do México, onde a demanda por esse recurso é muito elevada, grande parte da água potável é desperdiçada devido ao uso ineficiente e às instalações precárias, agravando assim a crise futura. São os bairros de maior renda que mais desperdiçam água em comparação aos bairros pobres, cujos habitantes sofrem com a escassez diária do recurso.

Nascente, Faz.Sabina, Coração de Jesus/MG

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Horta Orgânica, Faz.Sabina, Coração e Jesus/MG

Alto preço da água
Segundo informações do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mais de 1,1 bilhão de pessoas, distribuídas em 31 países, não têm acesso à água potável.
No Peru, por exemplo, onde uma grande região do país é um enorme deserto, os que estão mais afastados obtêm água através de caminhões-pipa, poços artesianos, rios, valas ou nascentes. Muitas vezes a qualidade dessa água é inadequada e seu abastecimento não é seguro. A cobertura de água e saneamento no país já supera 90%, mas são justamente os que não têm acesso à rede que pagam mais pelo serviço.
A Superintendência Nacional de Serviços de Saneamento (SUNASS) indica que um metro cúbico de água para um usuário conectado à rede pública custa aproximadamente 30 centavos de dólar, enquanto a compra de água de caminhões-pipa pode chegar a custar mais de 4 dólares (12 reais) por metro cúbico, ou seja, 12 vezes mais.
“A água aqui é cara, para cada tanque nos cobram até 10 soles [cerca de 3,3 dólares] e além disso é suja”, comenta Juan, que mora com a família num bairro pobre na periferia de Lima. O tanque comprado não chega a durar um dia (um metro cúbico).
Mas o problema não é apenas que a água esteja disponível para todos. Em países como o Uruguai, onde a cobertura do sistema de água atinge 100%, quase a metade da água potável se perde devido às tubulações velhas, roubos e fraude. Isso se repete por toda a região.
Caldas Novas/GO

Cuidar de um recurso não renovável
Apenas 2,5% da água no mundo é consumível. A água se encontra nos rios, lagoas, montanhas com neve, entre outros lugares. À medida que a demanda por água cresce, as cidades se veem obrigadas a depender das fontes que se encontram mais distantes da cidade e cujo aproveitamento é mais caro.
A agricultura utiliza aproximadamente 70% da água potável globalmente. Se em 2050 a população mundial atingir 9 bilhões, vamos precisar de alimentos para o número de habitantes atual e um volume ainda maior para cobrir essa demanda extra.
Aprender a reutilizar a água, especialmente no setor agrícola, é uma das soluções-chave para enfrentar a crise. Infelizmente, cerca de 90% da água residual de países em desenvolvimento flui sem tratamento até os rios, lagos e zonas costeiras. Segundo especialistas do Banco Mundial, na América Latina, três quartos da água fecal ou residual volta para os rios e outras fontes hídricas, criando um sério problema de saúde pública e para o meio ambiente.
As estações de tratamento de água, como a usina Taboada, em Lima, se transformaram em uma peça importante para a solução do problema. Os resíduos sólidos, em vez de serem lançados ao mar, podem ser reutilizados para fins comerciais como combustível, fertilizantes e material de construção.
Outras alternativas nos mostram que é possível fazer mais. No Peru, a capital econômica de 2015, um cartaz publicitário está produzindo água a partir da umidade do ar de Lima, que alcança 98%. Outro projeto está focado em melhorar as tubulações antigas da cidade e assim evitar vazamentos de água e consequente perda.
Finalmente, já que 71% dos glaciares tropicais – situados entre o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio – do mundo se encontram no país, um projeto busca aproveitar a água dos Andes, cerca de 7.240 quilômetros de picos cobertos de neve que desempenham um papel vital no abastecimento de água da região, e que se veem ameaçados devido ao derretimento causado pelo aquecimento global.
 

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